TUCA PUC 1977
EU QUASE QUE NADA SEI. MAS DESCONFIO DE MUITA COISA. GUIMARÃES ROSA.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Nossa língua portuguesa....


POR QUE SE USA M ANTES DE P E B ?

por José Augusto Carvalho, Professor Dr de Linguística da Universidade Federal do Espírito santo

Nossa ortografia às vezes é arbitrária. Não há razão, por exemplo, para que Bahia seja com h, já que os nomes próprios se originam de nomes comuns. Nem há razão para que tecido seja com c, se o ato de tecer se escreve com ss: tessitura. Mas, no caso do m antes do p e do b, nossa ortografia é adequada.
Muitos gramáticos dizem que o m ou o n que faz sílaba com uma vogal anterior constitui com ela um dígrafo (dígrafo é o nome que se dá ao conjunto de duas letras que representam um som único, como o ch de chave, que tem o som de x). Assim, o m e o n seriam apenas sinais de nasalidade em palavras como: âmbar, antes, êmbolo, entre, ímpio, índio, pomba, ontem, cumpro, funde. Mas não é essa a explicação lingüística.
Quando os órgãos da fala pronunciam um som, já se estão preparando, ao mesmo tempo, para pronunciar o som seguinte. É esse fenômeno de preparação prévia que provoca o que em lingüística se chama assimilação. É por assimilação que o s do artigo plural os soa z antes de um som sonoro (os amigos, os bailes) e soa s antes um som surdo (os cavalos): o z é sonoro e o s é surdo.
Assim, quando pronunciamos o a de campo ou de câmbio, nossos órgãos da fala se preparam para pronunciar o p ou o b. Ora, o p e o b são bilabiais, como o m, isto é, é preciso juntar os lábios, fechando a boca, para pronunciar o p, o b e o m (como em mapa, por exemplo).
Ora, nosso ouvido não percebe, mas aparelhos especiais conseguem provar que, ao pronunciarmos vocábulos como bamba e campo, há a pronúncia de um m que “desliza” entre a vogal a e a consoante b ou p seguinte. Deslizar, em inglês, é glide (pronuncia-se “glaid”), por isso esse som do m quase imperceptível se chama glide.
Esse glide consonântico é representado fonologicamente por /N/, que simboliza um arquifonema. Arquifonema é uma classe de fonemas que perderam a sua capacidade de distinguir vocábulos. Quando dizemos mata e nata, o m e o n são fonemas porque distinguem vocábulos. O fonema é uma classe de sons. Por exemplo, o r- inicial de “rato” pode soar como um h aspirado, como na palavra inglesa have (ter); pode soar como uma consoante gutural ou velar, semelhante ao ruído que se faz quando se limpa a garganta para escarrar; pode soar com a língua batendo nos alvéolos, como fazem os paulistas, etc. Todas essas pronúncias possíveis do r- inicial são simbolizadas assim: /r/. Esse símbolo representa todas as pronúncias possíveis do r, mesmo as que não descrevemos aqui. O símbolo /r/ representa, portanto, não um som, mas uma classe de sons, que tem a função de distinguir vocábulos. O /r/ inicial é fonema porque distingue os vocábulos rato e pato, por exemplo (o /p/ também é um fonema, porque distingue pato de mato, por exemplo). Há casos, no entanto, em que dois fonemas diferentes perdem sua função de distinguir vocábulos. Por exemplo: o r simples entre vogais é um fonema, porque distingue o vocábulo caro de carro. Mas, em final de sílaba ou de vocábulo, os dois r, o simples e o múltiplo, deixam de ter função distintiva e podem ser pronunciados um pelo outro. Por exemplo, podemos pronunciar o r de mar seja como uma consoante batida ou flap (r simples) seja como uma velar ou alveolar (r múltiplo). Dizemos então que houve uma neutralização, isto é, os dois r se neutralizaram, perderam sua função distintiva. Temos então o arquifonema, isto é, uma classe de fonemas (assim como o fonema é uma classe de sons, o arquifonema é uma classe de fonemas), que é representado por uma letra maiúscula entre barras: /R/. Da mesma forma, o m e o n, em final de sílaba ou antes de pausa, não distinguem palavras: o m de quem, por exemplo, soa palatal antes de vogal: quem é soa quenhé (por isso não há diferença fônica entre sem hora e senhora); o m de um soa velar, como a nasal do inglês ring, em um amigo (o a é vogal velar); o m de um soa bilabial antes de pote: um pote; o m de um soa n (dental) antes de dote: um dote (o d é consoante dental), etc.
Quando pronunciamos vocábulos como antes ou onde, pronunciamos também um glide dental (t e d são consoantes dentais). Na pronúncia de campo, os órgãos se preparam para dizer o p quando ainda estão pronunciando o a. O resultado é o aparecimento de um m antes do p. Por quê? Porque m e p são bilabiais. É por isso que escrevemos m antes de p e de b, que são bilabiais, e porque efetivamente existe a pronúncia do m, que “desliza” entre a vogal nasal e a consoante bilabial.
Eis por que não existe dígrafo em antes ou em campo: o que há é a efetiva pronúncia do glide consonântico nasal.

Braziu!

Braziu!

Arquivo do blog

Marcadores

Eu

Eu

1859-2009

1859-2009
150 anos de A ORIGEM DAS ESPÉCIES

Assim caminha Darwin

Assim caminha Darwin

Esperando

Esperando

Google Analytics